Swami Vivekananda

"Se a gente pudesse tê-lo conhecido!" - dizemos.

A maioria de nós reconhece que poderia ser capaz de identificar um grande instrutor espiritual se pudesse encontrar algum. Seria verdade? Provavelmente estamos nos gabando. Contudo, deve-se concordar que um instrutor vivo é muito mais preferível que seu livro morto. As meras palavras impressas não podem carregar o tom de voz de quem as pronunciou e muito menos o poder espiritual que se esconde atrás daquela voz.

Mas Vivekananda é uma das raras exceções. Ao ler suas palavras impressas, podemos captar algo do tom de sua voz e mesmo experimentar algum sentido de contato com seu poder. Qual a razão disto?

Talvez porque muitos desses ensinamentos eram originalmente falados, e não escritos por ele. Tinham a informalidade e a naturalidade do falar. Além disso, Vivekananda fala uma linguagem que podemos entender, mas que é inimitavelmente sua; o inglês de Vivekananda - aquele idioma maravilhosamente forte, de frases pitorescas e explosivas exclamações. Ela recria sua personalidade para nós ainda hoje, passados três quartos de um século.

Christopher Isherwood

Quem foi Vivekananda?

 

O dileto discípulo que herdara o acervo espiritual de Ramakrishna e
semeara pelo mundo a semente de seu pensamento era, tanto no físico como na
moral, sua antítese perfeita.


O Mestre Seráfico passou a vida aos pés ou nos braços da Amada
Divina, a Mãe, o Deus vivo. Desposou-se com ela em sua infância, à semelhança
dos matrimônios da India. Antes de ter consciência de si mesmo a tinha já de sua
amada. Se mais tarde teve que sofrer vários anos de mortificações para reunir-se
com ela, foi, como nas epopéias dos cavaleiros andantes, para merecê-la e
conquista-la. Ao final de todos os caminhos que no bosque se entrelaçam, só
estava ela, ela só: Deus múltiplo com infinitos rostos. Quando a alcançou, havia
aprendido a conhecer, um por um, aqueles rostos, a possui-la em sua totalidade.
Deste modo incluiu nela ao mundo inteiro, transcorrendo o resto de sua vida na
serena plenitude daquela viva satisfação cósmica cantada no Ocidente pelos
grandes reveladores Beethoven e Schiller.


Porém fez mais: a realizou melhor que nossos trágicos heróis. A alegria
se objetiva para Beethoven como uma mirada azul em meio ao caos de nuvens
que se entrechocam. O Paramahansa – o cisne da India – planou sobre o lago de
safira da eternidade, além da cortina dos dias tempestuosos. Seus mais audazes
discípulos nem sempre podiam segui-lo.O maior deles,o espírito de maior
envergadura – Vivekananda –não o conseguiu senão depois de vôos violentos e
de tempestades que, por mais de uma vez, tem me recordado as de Beethoven.
Até quando se detinha, as velas de seu barco inchavam-se com todos os ventos.
Os gritos da terra, os padecimentos da época, o rodeavam com seu faminto coro
de gaivotas. Disputavam aquele coração de leão de todas as paixões da força
(não as da debilidade). Era a energia feita homem e aconselhada aos homens.
Para ele, como para Beethoven, constituía a base de todas as virtudes. Até
chegou a dizer em sua repulsa à passividade, cujo jugo secular pesa sobre a
bovina frente do Oriente.


"- Antes de tudo, sejam varonis e fortes! Jovens, eu respeito até aos
malvados, sempre que sejam fortes e varonis, porque sua força os fará um dia
renunciar à sua maldade e até a todo egoísmo. Ela os conduzirá à verdade"
(Vivekananda, 1891).


Seu aspecto atlético contrasta com o terno corpo, tão delicado e não
obstante tão resistente de Ramakrishna. Era alto (um metro e setenta e três),
largo de costas e de peito, corpulento e pesado (pesava 110 quilos). Tinha braços
musculosos, exercitados em todos os esportes; de tez azeitonada, cara redonda,
frente larga, mandíbula poderosa, olhos magníficos, grandes, obscuros, algo
convexos, com pálpebras grossas, cujo desenho recorda a clássica folha de lótus.
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Nada escapava à magia do seu olhar, que ao mesmo tempo acariciava
com sua irresistível sedução, que brilhava de talento, de ironia, de engenho, ou se
extraviava no êxtase ou aprofundava imperativamente no íntimo das consciências,
fulminando com sua fúria. Porém, sobretudo, não se lhe aproximou ninguém, nem
na India nem na América, que não ficasse impressionado pela sua majestade.
Havia nascido rei. Quando aquele garoto de vinte anos se apresentou
pela primeira vez em Chicago, na sessão inaugural do Parlamento das Religiões
(que foi inaugurado em Setembro de 1893 pelo cardeal Gibbons), eclipsou a todos
que o rodeavam. Sua força e formosura, a graça e dignidade em sua maneira de
sustentar a cabeça, o sombrio fulgor de seus olhos, seu imponente modo de
andar; e tão logo falou, a esplêndida musica de sua voz cálida e profunda
sugestionou de imediato àquela multidão de anglo-saxões da América, prevenidos
contra ele por seus preconceitos de raça, e o pensamento do guerreiro profeta da
India imprimiu seu selo nas mentes dos norte-americanos.


Ninguém poderia imaginá-lo ocupando um lugar que não fosse o
primeiro. Até seu mestre, Ramakrishna, numa visão que já relatei, representava a
si mesmo junto ao amado discípulo como um menino junto ao grande Rishi.
Apesar de evitar as homenagens, se auto julgando com severidade e até se
humilhando, todos, a primeira vista, reconheciam nele o eleito do Senhor, o chefe,
o homem marcado com o selo do poder que comanda os homens. Alguém que
cruzou com ele, sem conhece-lo, no Himalaia, se deteve surpreso e exclamou: "-
Shiva!"...


Foi como se seu deus preferido houvesse escrito seu nome na testa.
Mas aquele rosto de mestre se achava açoitado pelos quatro ventos do
espírito. Muito poucas vezes desfrutou da serenidade do ar, os espaços límpidos
do pensamento onde penetrava o sorriso de Ramakrishna. Aquele corpo,
demasiado poderoso, aquele cérebro tão vasto, eram o campo de batalha propício
para as violências da alma. O presente e o passado, Oriente e Ocidente, a ação e
o sonho, se sintetizavam nele. Sabia demasiado, podia demasiado para consentir
numa harmonia formada pela renuncia de uma parte de sua natureza, de sua
verdade. A síntese das grandes forças opostas exigia anos de luta, nos quais se
consumiu seu heroísmo ao par de sua vida. Combate e existência eram para ele
sinônimo... Muito curto foi o lote de dias que se lhe atribuiu. Só 16 anos desde a
morte de Ramakrishna... Uma labareda!... Quando estenderam o atleta sobre sua
pira tinha menos de 40 anos.


Porém a chama daquela pira arde até hoje. E, como o clássico Fenix,
tem renascido de suas cinzas a consciência da India – ave mágica – a fé em sua
unidade e na grande mensagem que, desde a época dos Vedas prepara o espírito
sonhador de um povo milenar, do qual tem que dar conta o resto da humanidade.

Propósito?

"- Algum dia, quando Naren se puser em contato com os que padecem,
com os miseráveis, seu caráter orgulhoso se dividirá numa espécie de
compaixão infinita. A confiança que tem em si mesmo será o instrumento que
reestabelecerá a fé perdida nos corações desalentados. Sua conduta livre,
baseada num poderoso domínio sobre si mesmo, resplandecerá aos olhos dos
demais como a manifestação da verdadeira liberdade do Eu."

Sri ramakrishna, sobre narendra.

"- Aos vinte anos eu era um fanático desprovido de simpatia, incapaz da
menor concessão. Nem sequer queria andar pelo passeio do teatro, pelas ruas
de Calcuta"

narendra, sobre si mesmo...

 

"-Oh meu povo, meu povo!..."


Ao saber pelos jornais que em Calcuta haviam morrido de fome algumas
pessoas, exclamou, golpeando o peito:


"-O que fazemos pelas massas, nós, os sannyasins, que nos chamamos
homens de Deus, o que temos feito?"


E recordava então a frase crua de Ramakrishna:
"A religião não foi feita para estômagos vazios."


Logo, irritando-se contra as especulações intelectuais da fé egoísta,
definia o dever primordial da religião como o de alimentar aos pobres e acabar
com sua miséria. Impunha isso aos ricos, aos ministros e aos príncipes.
"- Não podem, nenhum de vocês, dar sua vida pelo amor ao próximo?...
Suspendam a leitura dos Vedas e a prática da meditação, deixem-nas para
outra vida... Consagre seu corpo de hoje ao serviço dos demais! Dessa
maneira saberei que não vieram até mim em vão!"


Poucos dias depois, sua dramática voz ressoou com acentos sublimes:
"- Oxalá possa eu nascer e voltar a nascer, e sofrer mil misérias,
contanto que me seja dado adorar e servir ao único Deus existente, síntese de
todas as almas, e sobretudo a meu Deus dos miseráveis, a meu Deus dos
pobres de todas as raças!"


Naquela época, 1892, era a miséria da Índia que lhe ocupava a
imaginação e eclipsava todas as demais idéias. Perseguiu-o como um tigre de
caça, de norte a sul, em sua fuga através da Índia. Consumiu suas noites na
insônia. No cabo Comorin foi acossado, triturado entre suas mandíbulas.
Desde então se entregou ao serviço das massas desvalidas.

O que tendes feito?...

 

'- Abandonem vossa jactância! O que fez no mundo vosso cristianismo
sem a ajuda da espada?... Predicais esta religião em nome do luxo. Tudo o que
escutei me resulta hipócrita. Principalmente todas estas riquezas que se
recomendam em nome de Cristo! Cristo não acharia em vossos corações nem
uma pedra onde repousar a cabeça... Não sois cristãos! Volteis a Cristo!"

Vivekananda sobre o cristianismo de seu seculo.

 

 

 

Domingo - 21 de julho de 1895
(Aforismos yogis de Pantajali)


A *yoga* é a ciência do domínio de *chitta* (mente), para que nela não se produzam
*vrittis* (modificações). A mente é uma mescla de sensações e sentimentos, ou de
ação e reação e, portanto, não pode ser permanente.
A mente tem um corpo sutil e, através dele, interfere sobre o corpo denso.
A vedanta diz que, por trás da mente, se acha o EU real. Aceita os outros dois, porém
afirma um terceiro, o Eterno, o Último, a análise final, a unidade onde não existem
mais compostos.


O nascimento é a re-composição, a morte é decomposição, e a análise final é onde se
encontra o Atman; onde já não há mais divisão possível, se alcança o perdurável. O
oceano inteiro está presente por trás de cada onda e todas as manifestações são
ondas, algumas muito grandes e outras pequenas; mas todas são o oceano em sua
essência, o oceano por inteiro, porém como ondas, cada uma é uma parte.
Quando o mar está em repouso, então tudo é uno; "um espectador sem espetáculo",
diz Pantajali. Quando a mente está ativa, o Atman está mesclado com ela.
A repetição de antigas formas em rápida sucessão constitui a memória. Sejam
desapegados. Conhecimento é poder e adquirindo um adquirimos o outro também.
Pelo conhecimento poderão fazer até que se desvaneça o mundo material.
Quando podemos liberar, mentalmente, um objeto qualquer de uma qualidade atrás da
outra, até que todas tenham desaparecido, podemos, com a vontade, fazer
desaparecer de nossas consciências, o próprio objeto. Aqueles que estão prontos
avançarão muito rapidamente e podem chegar a ser yogis em seis meses.
Os menos desenvolvidos podem demorar vários anos; qualquer um que trabalhe
sinceramente e abandone tudo o mais, dedicando-se somente a praticar, pode chegar
à meta em doze anos. Bhakti os levará ao mesmo ponto sem nenhuma dessas
ginásticas mentais, porém é o caminho mais lento.


Ishvara é o Atman tal como o vê e percebe a mente. Seu mais elevado nome é OM,
por conseguinte, devemos repetir e meditar nele e pensar em sua natureza e em todos
os seus atributos maravilhosos.
A repetição contínua de OM é a única adoração verdadeira. Não é uma palavra; é
Deus mesmo. A religião não nos dá nada de novo; só afasta os obstáculos e nos
permite ver nosso próprio EU.


A enfermidade é o primeiro grande obstáculo; um corpo são é o melhor instrumento. A
melancolia constitui uma barreira quase insuperável.
Se, por um instante, pudessem conhecer a Brahman, nunca mais estariam
melancólicos. A dúvida, a falta de perseverança e as idéias equivocadas são outros
tantos obstáculos.


*Pranas* são energias sutis, fontes de movimento. São dez no total: cinco internas e
cinco externas. Uma grande corrente flui para cima e outra para baixo. *Pranayama* é
o controlador dos pranas mediante o alento.
A respiração é o combustível, *prana* é o vapor e o corpo é a máquina. *Pranayama*
se compõe de três partes: *puraka*, (a inspiração do alento), *kumbhaka*, (a retenção)
e *rechaka* (a expiração).O Guru é o condutor, por intermédio de quem se chega à
influência espiritual.


Qualquer um pode ensinar, porém o espiritual, deve ser dado pelo Guru ao *sishya*
(discípulo) e assim dará fruto. A relação entre *sishyas* é a de fraternidade e isto é,
realmente, aceito pela lei, na Índia.
O Guru transmite o poder do pensamento, o *mantram*, que recebeu de seus
predecessores; nada pode ser feito sem um Guru. Realmente há um grande risco
nisso.
Geralmente, sem um Guru, essas práticas yogas levam à luxúria; porém tendo um,
isso raramente ocorre.
Cada *Ishtam* tem um mantram. O *Ishtam* é o ideal particular de cada devoto; o
mantram, é a palavra externa que o expressa.
A constante repetição da palavra ajuda a fixar o ideal firme na mente. Este método de
adoração prevalece entre os devotos religiosos de toda a Índia.

do livro inspired talks, palestras inspiradas.

VISLUMBRES DE SWAMI VIVEKANANDA

"Você vê uma luz quando adormece?"

"Sim, vejo. Todo mundo não vê também?". A voz do menino demonstrava admiração.

Foi logo após seu primeiro encontro que Sri Ramakrishna fez esta pergunta a Narendra e sua resposta propiciou ao Mestre uma profunda visão sobre o passado, a natureza e o destino deste jovem notável, que mais tarde seria Swami Vivekananda. Em seus derradeiros anos, ele próprio descreveu essa faculdade supranormal: "Desde meus tempos de criancinha, eu costumava ver um maravilhoso ponto luminoso entre minhas sobrancelhas, quando fechava meus olhos para dormir e acompanhava suas várias modificações com grande atenção.

Aquele maravilhoso ponto de luz cambiava de cores e aumentava até assumir a forma de uma bola; finalmente ela explodia e cobria meu corpo, da cabeça aos pés, com uma branca luz líquida. Logo que isto acontecia, eu perdia a consciência exterior e adormecia. Eu acreditava que era assim que todo mundo começava a dormir. Então, quando cresci e comecei a meditar, aquele ponto de luz aparecia para mim tão logo eu fechava meus olhos e eu concentrava-me nele."